sábado, 2 de abril de 2016

A utilidade pública da vitoriosa Caminho das índias!

Novelas são retratos das sociedades dos países em que são produzidas. Melhor ainda é quando uma novela retrata duas sociedades de dois países totalmente diferentes, seus contrastes e costumes, numa perfeita aula de Antropologia, Cultura e Sociologia. Como fez, de for,a admirável, o novelão Caminho das Índias! Que, aliás, nessa sexta,01/04/2016, chegou ao fim na sua primeira reprise no Vale a Pena Ver de Novo. E saiu de cena mostrando que, apesar de recente, pode ser reprisada na época que for, pois sempre será atual, devido também ás varias campanhas sociais que retratou. Uma novela que pode ser considerada uma das obras de MAIOR UTILIDADE PÚBLICA já produzidas no Brasil. E também uma das maiores paixões nacionais, praticamente uma "Avenida Brasil" antes de Avenida Brasil. Eu, que acompanhei em tempo real e do início ao fim as duas exibições, posso garantir! 



O último capítulo encerrou uma trama que, aos olhos de quem assiste telenovelas, e até pra quem não é desse time mas assistiu a saga de Maya e Raj, é inegavelmente uma das melhores produções dramatúrgicas da televisão mundial! Não á toa que recebeu esse exato prêmio em seu ano de exibição original, 2009: Emmy Internacional de melhor novela do mundo. A primeira produção brasileira á receber prêmio na categoria, que logo seria alcançada também por O Astro (2011), Lado a Lado (2012), Jóia Rara (2013) e Império (2014). Sua média geral naquele ano foi de 39 pontos no ibope, contando com índices diários acima dos 50 nas duas últimas semanas. O que hoje a Globo não consegue nem colocando facções criminosas ou coronéis nordestinos no horário nobre. 

Eu, que tinha 11 anos na época e assisti do início ao fim, como fiz de novo na reprise, lembro e posso confirmar que a novela virou febre nacional: por todo lado do país se ouvia as gírias indianas ditas pelos personagens repetidas vezes na boca do povo, os acessórios das indianas tomando conta das mulheres, até o sutiã pra fora do decote lançado pela Norminha (Dira Paes) virou tendencia! 



E falando nela, quem não riu muito mas também se irritou horrores com a dissimulada, porém deliciosa, esposa adúltera do guarda honesto, mas tapado, Abel (Anderson Muller)?! Os dois imortalizaram a musica do grupo Calçinha Preta que diz "Você não Vale nada mas eu gosto de Você!" e até hoje não á quem não segure a risada ao ouvir os seus primeiros toques, seja aonde for. Pudera, o casal é um dos mais carismáticos e engraçados da TV! Toda gratidão aos atores que nos arrancam risos até hoje, mesmo que por lembranças! 

Também demos risada com a perua mimada Melissa Cadore (Cristiane Torlone), mas também choramos ao vê-la cair em prantos por não suportar ver seu filho Tarso (Bruno Galiasso) refém da Esquizofrenia. Aí um dos motivos de Caminho das Índias ser uma grande novela: tratou com toda seriedade assuntos que, apesar de tabus, necessitam sempre serem cuidados e informados á grande população: transtornos mentais. 
Nessa cena, Melissa levanta bandeira branca ao recorrer á namorada de seu filho, Tônia, como a única aliada que sobrara na difícil luta para salvá-lo. Uma das cenas que mais me emocionaram na vida!

Além do drama vivido pelo personagem de Bruno Galiasso, também vimos como se comporta um Psicopata, perfeitamente representado por Letícia Sabatella na personagem Yvone, uma das vilãs mais sínicas da TV. É praticamente utilidade pública! Também assim pode ser classificada a temática abordada e muito bem representada pela família á qual Cesar (Antonio Calloni) e Ilana (Ana Beatriz Nogueira) eram os pais irresponsáveis que super protegiam e mimavam o mais bandidinho de classe média alta Zeca (Duda Nagle). 




Pais que acobertam as travessuras do filho, que o fazem dono da razão e acham que ele está acima do bem e do mal. O bullyng que o personagem fazia com suas professoras e seus colegas de classe representava milhões de casos da vida real cotidiana das escolas brasileiras, sejam particulares ou públicas.

Enfim, apenas por esses casos representados pelos núcleos de personagens brasileiros da trama, já era de se apostar que fosse um sucesso, porém, ainda tem a cereja do bolo, o motivo pelo qual Caminho das Índias alcançou notoriedade mundial e pôde ser classificada como uma espécie de "Avenida Brasil" (última novela fenômeno que conquistou o mundo e se tornou referência de qualidade pro gênero). A história central da produção, a grande aposta que deu certo e fez o país para em frente á televisão á cada capítulo que ia ao ar: a temática Indiana!  A ideia de trazer de volta histórias passadas em outros países ás novelas e a rigorosidade, cautela e riqueza de detalhes com que a produção retratou a Índia para os telespectadores, mostrou ao Brasil que, apesar de desigual e preconceituoso, nosso país adora conhecer outras culturas de outros países, viajar sem sair de casa. E foi esse fator, o grande responsável pelo mega sucesso de Caminho das Indias e também da novela O Clone, que, por sia vez, nos trasportou para a cultura Árabe. 
A Antropologia explica tudo: 

"[...] Roque de Barros Laraia (1996), um antropólogo bastante reconhecido no Brasil, em seu livro “Cultura: um conceito antropológico”, propõe pensarmos a questão da diversidade cultural humana a partir dos seguintes critérios: a cultura é uma forma de condicionar a visão de mundo dos homens e seus comportamentos; ela interfere diretamente no plano biológico humano; cada grupo social desenvolve seus esquemas culturais de modo específico, particular; todas as culturas seguem determinadas lógicas, e, portanto, têm sentido para aqueles indivíduos que dela fazem parte; e, por fim, a cultura humana, em geral, possui um caráter dinâmico, isto é, ela muda com o passar do tempo."

Conhecer outros costumes, outros povos, outra gente, outra realidade, apaixonam qualquer brasileiro que, exausto dos problemas e mesmices de seu país, brinca de explorar o novo, com os olhos ela, em especial, manterão o telespectador grudado em frente a TV, tendo uma aula diária de diversidade. 

Pudemos nos encantar com alguns costumes da Indias, como a devoção aos mais velhos: em uma das cenas que marcou, num diálogo entre o indiano Gopal (André Gonçalves) e Raul Cadore (Alexandre Borges), o primeiro reclama que no Brasil o idoso não é respeitado como se deve e que, na Índia, quando se perde uma pessoa de mais idade, é como se perdemos uma biblioteca inteira. 


Esse respeito também foi retratado em cenas que os personagens adultos são repreendidos por seus pais e chegam a apanhar deles como se fossem crianças, sem reagir, como numa cena em que o patriarca Opash (Tonny Ramos) apanha de sua "Mamadi" Laksmi (Laura Cardoso) e quando este da uma surra em seu filho mais velho e mau caráter, Amitab (Danton Melo). Nesta cena, a brasileira Camila (Ísis Valverde), que é casada com um dos filhos de Opash, Ravi (Caio Blat), pergunta ao marido o porque o cunhado não reagiu e segurou seu pai. Ravi, em tom de espanto, explica que, na India, um filho que retruca ou levanta a mão contra seu pai comete o pior dos pecados.



Esse é um dos costumes que nos inspiram a seguir como exemplo, porém existem aqueles que nos assustam, como o modo de comercial de negociar casamentos. 
As famílias apresentam seus filhos umas as outras como empresários apresentam seus funcionários ou suas empresas uns aos outros, afim de fechar um negócio. E nem as crianças escapam! Sim, foi mostrado na novela que, na Índia, crianças também se casam e, para eles, é até mais "auspicioso", como eles dizem. O dia em que a novela exibiu um casamento infantil foi o auge da audiência pré última semana: 50 pontos de média. 

Com direito a até devolver a mulher para sua família caso não se adapte á família de seu marido. O marido, falando nisso, é hiper valorizado perante a esposa. A mulher deve viver para agradar seu marido, cuidar da casa e dos filhos enquanto ele trabalho e, caso fique viúva, deve viver o resto da vida infeliz, sem cabelos nem beleza alguma, num viúvario, que um abrigo para viúvas. A mulher que perde seu marido, perde sua razão de viver. Coisas que, para nós tupiniquins, são inimagináveis na atualidade, para eles são normais e certas. 

Representando nós brasileiros confusos do por que desses costumes, a "Firanghi estrangeira", como eles chamam, Camila, pergunta á sua sogra, Indira (Eliane Giardini), o motivo de as esposas não poderem pronunciar o nome de seus maridos após o casamento. Direta e reta, a sogra responde: 

"-Camila, por que você anda pra frente?", Camila:
"-Eu e todo mundo!", Indira conclui:
"-Costume é assim: não se questiona, apenas se cumpre!".
Mais do que explicado, né?

A verdade é que esse foi mesmo o grande trunfo de Glória Peres, que soube fazer uma novela que entrasse para o ranking das melhores da História, não pelos números alcançados, mas pela grande utilidade pública que ela tem! São tantas campanhas sociais que abordadas quem seja qual for a época em que for exibida, sempre será atual. Tanto, que nessa primeira reprise no Vale a Pena Ver de Novo, a história deu perfeito contraste com o momento de auge da intolerância religiosa que o país se encontrava: Outubro e Novembro de 2015, a violência por intolerância religiosa começa a subir de tal maneira, que deixa de ser centrado no Estado Islâmico brasileiro (como o presidente da Comissão de Combate às Discriminações e ao Preconceito da Alerj e autor da lei de 2011 que cria a delegacia especializada esse crime de ódio, o deputado Átila Nunes (PSL) define o Rio de Janeiro) e passa a ser constante também no interior de São Paulo. Fora os atentados em Paris, um banho de sangue tenebroso. Pra dar uma recapitulada do quanto essa época foi difícil para quem não seguia religiões de alienados intolerantes, dê uma conferida na entrevista que fiz com um Pai de Santo que teve seu terreiro depredado, em 17 de Novembro de 2015:

-Pai de Santo que teve seu terreiro depredado em Botucatu desabafa:"Intolerância Religiosa é como o preconceito: deve ser combatido de dentro pra fora."
Nessa época, a novela mostrava todas as tardes o quão a Intolerância religiosa, é um câncer maligno para qualquer sociedade, representada pela luta dos Dalitis contra o preconceito dos que se julgavam superiores, como a conservadora família de Opash. Além de religiões, eles também se viam separados por castas, o que representou a luta de classes, desigualdade social. Novela mais atual, mesmo com 7 anos do seu fim, impossível. O sistema de castas foi banido pela Constituição indiana, mas ainda persiste em algumas regiões do país. Assim como o Brasil é decretado oficialmente um Estado Laico, mas ainda é permitido coisas como a Bancada Evangélica no Senado.


Apesar de ter sido adorada pela a maioria dos brasileiros, a reprise de Caminho das Índias poderia ter esperado mais alguns anos para ser reexibida. Afinal, pro mega sucesso que foi, 7 anos ainda é pouco para a trama sair da memória do povo. Além de estar fresca no imaginário popular, não casou com o clima trazido por sua antecessora,
O Rei do Gado: regionalismo e patriotismo. 



Depois de anos e anos seguidos de produções passadas somente no eixo RIO-SP, sempre como temática a contemporaneidade urbana, nos 5 horários de novelas diárias, o expectador já estava exausto. O Rei do Gado, com sua ambientação no Mato Grosso do Sul, mostrando vida de fazendeiros, de bóias frias, índios e ainda discutindo a Reforma Agrária, deu um super UP na relação do telespectador com a televisão, pois, além de adorar rever obras realmente antigas com essa, que nesse ano completa exatos 20 anos de produção, pode se ver de novo na tela, numa identidade esquecida mas que é a verdadeira legítima e pioneira do Brasil: CAIPIRA! Nessa matéria feita na época, eu falei sobre o orgulho de ser caipira interiorano que a novela resgatou, veja: 


Por isso foi um fenômeno e, pelo mesmo motivo, Caminho das Índias não repetiu seus números! O público voltou em massa pro "Vale a Pena" porque viu um sucesso dos anos 90 de volta, tanto que, para substituir "Caminho", a Globo resgatou outro sucesso consagrado dos anos 90: Anjo Mau (1997). Mas, audiência NUNCA definiu ou definirá qualidade e o sistema medidor de audiência é 100% injusto, afinal, como pode apenas um estado, no caso São Paulo, falar por um país inteiro?! E sucesso a gente comprova na boca do povo! E essa, em toda reprise da novela, não á esqueceu por 1 segundo! A novela fez sucesso de novo sim e sai de cena com o seu papel cumprido até mais do que o previsto: a reprise mais longa da história da Rede Globo! 180 capítulos, durando bem mais que a então novela das nove, A Regra do Jogo. "Caminho" provou que  pode reprisar quando for e não é á toa que a Vênus Platinada á tem como troféu!

Falando em Troféu, relembre as Vitórias de Caminho das Índias:

Fica aqui registrada a minha imensa gratidão á Glória Peres e a Rede Globo por nos proporcionar essa lindíssima obra que, sem dúvida, é um marco na minha vida e na de milhões de pessoas pelo mundo!